quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Mediação sempre

Especialistas apontam vantagens da nova Lei de Mediação
  • Rio de Janeiro
Alana Gandra - Repórter da Agência Brasil










A Lei de Mediação, publicada hoje (29) no Diário Oficial da União, tem como principal benefício dar a esse instrumento um status de legalidade que não havia antes, disse o presidente do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima), Roberto Pasqualin. Ele disse que a mediação já era praticada no país, mas com menor segurança jurídica e que, agora, com o marco legal, a segurança jurídica é total.

Para ele, a prática da mediação deverá se ampliar no Brasil. Pasqualin destacou que os próprios tribunais exigirão treinamento e capacitação mínima dos mediadores de conflitos. “A técnica tem que ser bem aprendida, bem desenvolvida e praticada”, acrescentou.

Roberto Pasqualin disse que a lei poderá ser muito útil, por exemplo, na solução de conflitos que envolvam direitos do consumidor, relações trabalhistas e direito de família. “O âmbito de aplicação da mediação é muito extenso, desde que se trate de um direito que possa ser transacionado, ou seja, que as partes possam abrir mão de um pedaço do seu próprio direito para facilitar um acordo, uma retomada das atividades, em conjunto com o encerramento daquele conflito ou início de conflito, a mediação é muito favorável do ponto de vista da sociedade”. Entre os casos que não podem ser submetidos à mediação estão os que tratam de adoção, guarda de filhos, invalidade de matrimônio, recuperação judicial ou falência e interdição.

A nova lei tem prazo de 180 dias de adaptação para que comece a ser aplicada, o que deverá ocorrer em 2016. Pasqualin disse que a mediação tem condições de contribuir para a redução do estoque de processos do Judiciário, mais do que a arbitragem. “O número de processos no Judiciário é tão grande que é desumano até para os próprios juízes terem que lidar com essa quantidade de causas. A mediação pode evitar o início de causas judiciais. Se for bem praticada, boa parte das questões que iriam desaguar no Judiciário serão resolvidas antes, rapidamente, a um custo baixo, com inteligência.”
Especialista em direito processual civil, Mônica Costa compartilha a opinião e considera positiva a sanção da lei, que trata da mediação entre particulares e também da composição com a administração pública.Mônica lembrou que, em países como Estados Unidos, Inglaterra e Argentina, a mediação é a via principal de resolução de conflitos. No Brasil, entretanto, ainda existia uma "certa desconfiança" em relação a esse instrumento, destacou Mônica. Com o marco legal, a chance de uso mais efetivo da mediação é maior, principalmente no campo empresarial, afirmou.

Segundo a advogada, outro ponto positivo da lei é estabelecer a obrigatoriedade de uma primeira reunião de mediação, se isso estiver previsto no contrato pelas partes. “É claro que ninguém é obrigado a permanecer em mediação, se não há interesse”, afirmou Mônica. Ela explicou que, diferentemente da arbitragem, que está muito mais próxima do Judiciário, porque a decisão é vinculante e prevê que uma terceira pessoa decide quem tem ou não razão, na mediação, a terceira pessoa não emite decisão. Apenas auxilia as partes a chegar ao consenso, na discussão do problema. “As partes são livres para estabelecer o que vale ou não vale”, explicou a advogada.
Edição: Stênio Ribeiro


sábado, 5 de dezembro de 2015

Grande Habermas e seu pensamento redentor

"Direito de asilo é direito humano", diz Habermas
Em entrevista à DW, filósofo alemão aborda questão dos refugiados, diferenças culturais e religiosas, e fala sobre o papel das intervenções militares e seu controverso apoio à missão da Otan no Kosovo em 1999.
Filósofo alemão Jürgen Habermas recebeu "Nobel das Ciências Humanas" em Washington

O filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas foi agraciado na última terça-feira (01/10), junto ao canadense Charles Taylor, com o Prêmio John W. Kluge, dotado de 1,5 milhão de dólares e considerado o "Nobel das Ciências Humanas".

Na Biblioteca do Congresso em Washington, Habermas falou em entrevista à Deutsche Welle sobre questões que afetam a sociedade moderna, como a crise migratória, conflitos culturais e religiosos.

Segundo Habermas, os conflitos vivenciados atualmente, principalmente no mundo árabe, não seriam conflitos religiosos, mas "conflitos políticos definidos pela religião".

Deutsche WelleO mundo moderno está exposto constantemente a turbulências e, portanto, enfrenta sempre novos desafios. Considerem-se, por exemplo, as atuais migrações de pessoas do Oriente Médio, de parte da África ou do oeste dos Bálcãs para a Europa Ocidental. Na visão da filosofia, como se pode ou se deve reagir a isso?

Jürgen Habermas: O direito de asilo é um direito humano, e qualquer pessoa que pedir asilo deve ser tratada de forma justa e, se for o caso, deve ser acolhida com todas as consequências. Essa é a resposta fundamental, mas não é particularmente interessante em tal situação.

Na crise migratória, a União Europeia se encontra dividida como há muito tempo não estava. Paira uma ameaça de erosão dos valores e convicções, que o senhor também vê na UE?
O que está acontecendo é a separação do Reino Unido, como também de alguns países do Leste Europeu, do cerne da união monetária. Esse conflito não surpreende. Tem a ver com o momento da adesão ao bloco. Os numerosos candidatos do Leste não tiveram tempo suficiente, sem falar das grandes diferenças econômicas que ainda perduram, de passar por um processo de adaptação político-mental, para o qual nós [na Alemanha] tivemos 40 anos – de 1949 a 1989. Tivemos tempo suficiente para isso.

A Alemanha e a França, que há muito deveriam ter empreendido uma política europeia bem mais ativa, devem agora tomar a iniciativa e desenvolver uma política europeia, sob a qual também devamos esperar uma cooperação na questão dos refugiados. A crise foi ignorada por muito tempo. Sobre isso, também devo dizer uma coisa: Eu nunca estive tão satisfeito com o governo alemão como desde o fim de setembro.

A frase de Merkel – "Se agora tivermos de nos desculpar por mostrarmos um rosto amigo para aqueles que precisam de nossa ajuda, este não é mais o meu país" – tanto me surpreendeu quanto merece o meu respeito.

Quando centenas de milhares de pessoas, muitas delas com diferentes religiões e visões de mundo, vêm para um país, o próximo passo é a integração. Existe uma chave filosófica para uma integração bem-sucedida?
Existe uma base comum sobre a qual a integração deve acontecer, e está é a Constituição. Trata-se de princípios que não estão escritos na pedra, mas que devem ser discutidos num amplo processo democrático. Eu acho que esse debate vai acontecer mais uma vez entre nós. Devemos esperar de cada pessoa que acolhemos que ela respeite nossas leis e aprenda a nossa língua. Ao menos na segunda geração, também devemos esperar que aconteça uma interiorização normativa de nossa cultura política.

Em 1999, o senhor defendeu a controversa missão da Otan na Guerra do Kosovo. O senhor também agiria da mesma forma frente a uma intervenção militar da Otan, do Ocidente contra o regime de Bashar al-Assad na Síria ou contra o "Estado Islâmico"?
Essa é uma pergunta difícil. Eu não a posso responder nem com "sim" nem com "não". A guerra no Iraque, que critiquei desde o primeiro dia, o conflito no Afeganistão, no Mali e na Líbia nos mostraram que as potências intervencionistas não estão dispostas a apoiar as obrigações posteriores, ou seja, a construção durante décadas de estruturas governamentais nesses países.
Por conseguinte, nós vimos que estas intervenções pioraram, na maioria dos casos, as condições dos países afetados, em vez de melhorá-las. Em 1999, eu apoiei a missão com muitas reservas, isso foi esquecido ao longo do tempo. Se, em retrospecto, eu teria feio diferente, isso exigiria mais tempo de reflexão.

Após os atentados de 11 de setembro de 2001, o jornalista Peter Scholl-Latour prenunciou que os grandes conflitos do futuro seriam de natureza religiosa. A história parece lhe dar razão, só basta observar as correntes extremistas do islã. Como devemos nos posicionar em relação ao islamismo?
Basicamente, não se trata de conflitos religiosos, mas de conflitos políticos definidos pela religião. O fundamentalismo religioso é a reação aos fenômenos do desenraizamento, que foram induzidos somente a partir da modernidade por meio do colonialismo e de políticas pós-coloniais. Por conseguinte, é um pouco ingênuo dizer que se trata de conflitos religiosos.