"Direito
de asilo é direito humano", diz Habermas
Em entrevista à DW, filósofo alemão
aborda questão dos refugiados, diferenças culturais e religiosas, e fala sobre
o papel das intervenções militares e seu controverso apoio à missão da Otan no
Kosovo em 1999.
Filósofo alemão Jürgen Habermas recebeu "Nobel
das Ciências Humanas" em Washington
O
filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas foi agraciado na última terça-feira
(01/10), junto ao canadense Charles Taylor, com o Prêmio John W. Kluge, dotado
de 1,5 milhão de dólares e considerado o "Nobel das Ciências
Humanas".
Na
Biblioteca do Congresso em Washington, Habermas falou em entrevista à Deutsche
Welle sobre questões que afetam a sociedade moderna, como a crise migratória,
conflitos culturais e religiosos.
Segundo
Habermas, os conflitos vivenciados atualmente, principalmente no mundo árabe,
não seriam conflitos religiosos, mas "conflitos políticos definidos pela
religião".
Deutsche
Welle: O mundo moderno está
exposto constantemente a turbulências e, portanto, enfrenta sempre novos
desafios. Considerem-se, por exemplo, as atuais migrações de pessoas do Oriente
Médio, de parte da África ou do oeste dos Bálcãs para a Europa Ocidental. Na
visão da filosofia, como se pode ou se deve reagir a isso?
Jürgen
Habermas: O direito de asilo é um direito
humano, e qualquer pessoa que pedir asilo deve ser tratada de forma justa e, se
for o caso, deve ser acolhida com todas as consequências. Essa é a resposta
fundamental, mas não é particularmente interessante em tal situação.
Na
crise migratória, a União Europeia se encontra dividida como há muito tempo não
estava. Paira uma ameaça de erosão dos valores e convicções, que o senhor
também vê na UE?
O
que está acontecendo é a separação do Reino Unido, como também de alguns países
do Leste Europeu, do cerne da união monetária. Esse conflito não surpreende.
Tem a ver com o momento da adesão ao bloco. Os numerosos candidatos do Leste
não tiveram tempo suficiente, sem falar das grandes diferenças econômicas que
ainda perduram, de passar por um processo de adaptação político-mental, para o
qual nós [na Alemanha] tivemos 40 anos – de 1949 a 1989. Tivemos tempo
suficiente para isso.
A
Alemanha e a França, que há muito deveriam ter empreendido uma política
europeia bem mais ativa, devem agora tomar a iniciativa e desenvolver uma
política europeia, sob a qual também devamos esperar uma cooperação na questão
dos refugiados. A crise foi ignorada por muito tempo. Sobre isso, também devo
dizer uma coisa: Eu nunca estive tão satisfeito com o governo alemão como desde
o fim de setembro.
A
frase de Merkel – "Se agora tivermos de nos desculpar por mostrarmos um
rosto amigo para aqueles que precisam de nossa ajuda, este não é mais o meu
país" – tanto me surpreendeu quanto merece o meu respeito.
Quando
centenas de milhares de pessoas, muitas delas com diferentes religiões e visões
de mundo, vêm para um país, o próximo passo é a integração. Existe uma chave
filosófica para uma integração bem-sucedida?
Existe
uma base comum sobre a qual a integração deve acontecer, e está é a
Constituição. Trata-se de princípios que não estão escritos na pedra, mas que
devem ser discutidos num amplo processo democrático. Eu acho que esse debate
vai acontecer mais uma vez entre nós. Devemos esperar de cada pessoa que
acolhemos que ela respeite nossas leis e aprenda a nossa língua. Ao menos na
segunda geração, também devemos esperar que aconteça uma interiorização
normativa de nossa cultura política.
Em
1999, o senhor defendeu a controversa missão da Otan na Guerra do Kosovo. O
senhor também agiria da mesma forma frente a uma intervenção militar da Otan,
do Ocidente contra o regime de Bashar al-Assad na Síria ou contra o
"Estado Islâmico"?
Essa
é uma pergunta difícil. Eu não a posso responder nem com "sim" nem
com "não". A guerra no Iraque, que critiquei desde o primeiro dia, o
conflito no Afeganistão, no Mali e na Líbia nos mostraram que as potências
intervencionistas não estão dispostas a apoiar as obrigações posteriores, ou
seja, a construção durante décadas de estruturas governamentais nesses países.
Por
conseguinte, nós vimos que estas intervenções pioraram, na maioria dos casos,
as condições dos países afetados, em vez de melhorá-las. Em 1999, eu apoiei a
missão com muitas reservas, isso foi esquecido ao longo do tempo. Se, em
retrospecto, eu teria feio diferente, isso exigiria mais tempo de reflexão.
Após
os atentados de 11 de setembro de 2001, o jornalista Peter Scholl-Latour
prenunciou que os grandes conflitos do futuro seriam de natureza religiosa. A
história parece lhe dar razão, só basta observar as correntes extremistas do
islã. Como devemos nos posicionar em relação ao islamismo?
Basicamente, não se trata de conflitos religiosos,
mas de conflitos políticos definidos pela religião. O fundamentalismo religioso
é a reação aos fenômenos do desenraizamento, que foram induzidos somente a
partir da modernidade por meio do colonialismo e de políticas pós-coloniais.
Por conseguinte, é um pouco ingênuo dizer que se trata de conflitos religiosos.
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